LEI DE INCENTIVO À CULTURA, MINISTÉRIO DA CULTURA,
MR MINERAÇÃO E CLAROESCURO APRESENTAM

Rios que a
gente desenha

Festival Bárbara de Cocais 2025
Cinema e Formação Humana



“O final do meu filme vai ser assim mesmo?
Assim como? Triste. Isso não é o final do seu
filme, isso é o final deste filme.”


Jonas e a diretora Paula Gomes conversam em
“Jonas e o circo sem lona” (2015)

O Festival Bárbara de Cocais integra uma experiência mais ampla: a Escultura Comunitária #01, que articula cinema, formação humana e cuidado. No conjunto de filmes que apresentamos este ano, a curadoria se aproxima das infâncias e das adolescências como quem percebe a força de um rio pela delicadeza de sua nascente. As obras abraçam esses fluxos vitais em seu nascedouro, capturando a suavidade de seus primeiros gestos que fazem brotar os olhos d’água. 

É com essa imagem que vemos os olhos marejados de Jonas transbordarem da tela para a vida, enquanto a diretora Paula Gomes o recolhe com um afago nos cabelos, agradecendo pelo que o menino nos faz enxergar. Seu olhar ilumina caminhos para esta jornada de Bárbara de Cocais que chega ao segundo ano.

Como dizia Heráclito, não nos banhamos duas vezes no mesmo rio. As águas mudam, e nós com elas. Se um rio é pura transformação, o mesmo ocorre com suas nascentes – fontes de eterna novidade, assim como as personagens que veremos. Elas se afastam de imagens fixas da infância e juventude, sendo mudança constante, lançando ao mundo seus ritmos construídos com a terra onde pisam, suas inquietações e gestos imprevisíveis. É o caso de Alice Jr em filme homônimo e do jovem Chala na obra “Conducta”, que irrompem de solos áridos e fazem nascer beleza, como veredas no sertão.

Hannah Arendt observou que as crianças nascem para o mundo nas escolas, onde lhes apresentamos cultura, história e ciência. Mas a filósofa vai além: a verdadeira “natividade” está na novidade que trazem consigo, nos fluxos inéditos que criam. Veremos como esses corpos contornam montanhas, descem desfiladeiros até profundezas muito próprias e se reorganizam em pororocas, onde sua potência infante encontra o mar da humanidade.

Estas obras são possibilidades. Tornam viáveis encontros, escutas e relações. Mais que personagens, revelam pessoas em processo de criação, guiando os contornos de cada filme – rios desatados por suas presenças. Enquadramentos, montagens e atenções tornam-se práticas de convivência.

A formação está em perceber os olhos d’água, compreender os cuidados que fazem brotar fluxos inesperados. Aqui, o cinema não ensina sobre a infância, mas aprende com ela, perguntando para onde quer ir. O desafio é seguir essas rotas inventadas, acolhendo o improviso e a invenção compartilhada como possibilidade de vínculo.
Seja no sonho que decola em “Marte Um”, no “Cavalinho Azul” que galopa no interior do Brasil ou no cavalo alado de “As Aventuras do Príncipe Achmed”, nosso manancial fílmico flui afirmando o lúdico como veio transformador, em sintonia não apenas com o seu destino final, mas com uma movência, ou seja, aquilo que se movimenta por dentro ao longo de nosso curso de transformações.

Em “Micróbio e Gasolina”, a fuga criativa; em “Saudade fez morada aqui dentro”, a errância reveladora. Cada filme assume riscos frente à contingência – e é esse gesto que forma: quem vê, quem escuta, quem se deixa atravessar.

Esta não é curadoria temática, mas campo em movimento. O “complô dos inocentes”, como nomeou o cineasta e professor Bernardo Oliveira – essa rebeldia discreta de romper com o mundo disciplinar – ganha novas formas. Não mais apenas contra uma ideia fixa, mas a favor da invenção do múltiplo. Uma sessão será criada especialmente para celebrar esta passagem, exibindo em paralelo duas versões de “Cinco vezes favela”, uma de 1962, outra de 2010, entrelaçadas. 

Um cinema que aprende a acompanhar, ainda que em um mundo aos pedaços, na animação “À deriva”, é a força sublime dos afetos que reúne as condições para seguir transformando as possibilidades de nossa existência.

Como ensina Célia Xakriabá sobre uma educação territorializada, conhecer é amassar o barro, pintar-se com jenipapo, moldar o mundo e encher-se de significados. Clarisse Alvarenga leva isso ao cinema, mostrando a câmera que se transforma ao descobrir o território. Em “No caminho com Mário” e “Difícil é não brincar”, as próprias crianças indagam sobre caminhos e modos de estar juntos. 

No mapa que traçamos, o que importa não são as fronteiras entre as diferenças, mas os rios que estas crianças, jovens e cineastas desenham – com o risco da imprecisão do viver – para fazê-las encontrar e produzirem transformações mútuas.

Nossa Mostra acontece na sala de cinema montada especialmente para o festival em Santa Bárbara (MG) e segue sua vocação itinerante com o Cinema ao Ar Livre, ambas ações da Escultura Comunitária #01. Neste ano, a mostra chega a quatro localidades: Sumidouro (distrito de Santa Bárbara), Cocais (distrito de Barão de Cocais) e os bairros São Benedito e Lagoa (Barão de Cocais).

O horizonte coletivo da Escultura Comunitária #01 nasce da aliança entre arte e formação humana. As luzes do cinema se reconhecem nas pedagogias de cura e, aliadas às mumunhas de quintal, se tornando espaços de convívio, encontro e imaginação compartilhada.